A caminho

A caminho
“I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I had not lived" (Thoreau, Henry David)

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Ó meu São João bonito


Desde menina que sou devota da noite sanjoanina, primeiro com os meus pais, irmão e tios na Foz, depois nas rusgas que fazia com os amigos.
Antas, Baixa, Fontainhas (se der para entrar…) Sé ou Ribeira, Boavista e Foz. E voltar a pé depois de ver o sol nascer. Era o trajecto que já não me atrevo a fazer a pé...

Fogo de artifício - S. João - Sé do Porto

É uma noite imensa, intensa, aromática e iluminada.
Páro nos apeadeiros necessários e namoro as cascatas, as flores, as aromáticas. 
Passo ao largo das farturas, dos churros, dos doces de ovos e dos rebuçados da Régua.
Vejo o fogo de Miragaia, onde rumo às sardinhas e de onde lancei o meu primeiro balão aos 42 anos.

Largada do Balão - S. João do Porto

Na volta, invariavelmente espirro com o alho-porro, mas não há S. João sem arrebimbar o alho…


E volto a casa sempre com vontade de rever o próximo 23 para 24 de junho.

As Cascatas

No século XIX foram surgindo as primeiras cascatas na cidade do Porto, inspiradas na tradição dos presépios - que surgiram no nosso país no final do século XVIII.
Helder Pacheco refere que nas cascatas originais se substituía a Sagrada Família e os Reis Magos pelos Santos Populares.

Cascata - Carvalhido

As cascatas tradicionais, elaboradas com pequenas imagens de barro sobre cenários representam profissões, figuras, e cenas do quotidiano - algumas já desaparecidas. São fruto da criatividade e da imaginação dos seus artífices, mas alguns dos seus elementos são quase obrigatórios como a presença da água, que estará na origem do nome “cascata”. Também o casario do Burgo, a Sé, os Clérigos, e obviamente o S. João Batista não faltam. Assim como as  figuras da leiteira  - “que mija no canado para acrescentar ao leite” (segundo o historiador Júlio Couto) e do cagão que nunca acaba de obrar, o Moleiro, a Lavadeira, o Pescador, as Vendedeiras e o Pastor.
O “manjerico”, a “sardinha” e os “balões” nunca são esquecidos. Nem os moinhos de vento ou de água, as Fontes, o Chafariz e S. João a baptizar Cristo. E as bandas filarmónicas e o pelotão da Volta a Portugal, a Procissão e as Rusgas.

Cascata - pormenor de banda filarmónica e altar a Sto. António


A Câmara Municipal do Porto, através do Pelouro da Cultura, abre anualmente inscrições para o Concurso de Cascatas de São João.
Que pululam pela cidade.
E nas ruas do Centro Histórico, em tempos de escassez de Euros, ainda há crianças a pedir “um tostão para o São João”...

Sobre a Festa do Santo Padroeiro do Porto

O S. João nunca foi uma festa católica. Trata-se de uma celebração pagã, intimamente ligada ao culto da fecundidade, do fogo e do sol - em suma, associada ao Solstício de Verão. Aliás, embora o S. João Batista seja considerado por muitos o "padroeiro popular" da Invicta, o título oficial de padroeira da cidade do Porto pertence a Nossa Senhora da Vandoma.

“Claro que o S. João vai evoluindo conforme a cidade evolui”, diz Germano Silva, recordando que “as ruas dos Caldeireiros, do Almada - onde as varandas ficavam todas iluminadas – e a Praça da Liberdade - com o fogo preso - já foram os epicentros” da festividade.
O auge do arraial chegou também a ser junto ao Bolhão e no Mercado do Anjo (à Praça de Lisboa) que, entretanto, encerrou.
Nos anos 50, o fogo de artifício era lançado na Serra do Pilar “para que as pessoas o vissem das Fontainhas”.

O historiador diz ainda -  “Para mim, o S. João continua a ser a rua”, revelou à Viva, acrescentando que, todos os anos, se desloca à rua de S. Victor, na qual a festa “mantém as características antigas, como a cascata”. O historiador recorda também o arraial das Fontainhas que, não sendo o mais antigo da cidade, se transformou na verdadeira “meca” do S. João do Porto. Em meados do século XIX, “um senhor decidiu construir uma cascata monumental e oferecia café quente e pão com manteiga a quem a fosse ver”, explicou, esclarecendo que, com o tempo, se tornou “quase obrigatório” a passagem pelas Fontainhas nesta época.

Altar de S. João Batista - Fontainhas



As rusgas de então as rusgas eram menos organizadas: formavam-se nos bairros, passavam nas Fontainhas e terminavam com o tradicional banho nas águas orvalhadas do Douro, antes de o sol nascer, porque todos acreditavam que dava saúde”, acrescentou.

Folia e siga a rusga!


Agora os os foliões passeiam o alho-porro, os martelos de plástico, compram manjerico e aromáticas e fazem percursos aleatórios, que convergem à meia noite para as Ribeiras de Gaia e do Porto, de forma a poderem ver o fogo de artifício, e fazem subir balões confeccionados com papéis de várias cores que passeiam no ar como sóis iluminados.


Fogo sobre a Ponte Luís I - Porto

Largada de balão em Miragaia


E nos Aliados podemos assistir ao Concurso das Rusgas de S. João, em que cada freguesia constitui uma rusga, com uma tocata e um número mínimo de 30 pessoas que vão trajadas a representar as rusgas de outros tempos. Existe um desfile e uma actuação de todas as rusgas para o público, que se realiza num clima de imensa festa e alegria popular. Este evento fecha as festas de S. João no Porto.

As fogueiras

Na noite de São João, comparecem as alcachofras, e à foice vai também o alecrim e o rosmaninho, para alimentarem as fogueiras juninas e perfumar o ar de cheiro a verão – fogueiras estas que servem também enquanto ritual de iniciação, servindo de obstáculo de salto para rapazes (e algumas raparigas). 

Fogueira de S. João ao Carvalhido

E quando o fogo está já em fase decrescente, por volta da meia-noite, hora muito simbólica pela transição que representa, os apaixonados passam a alcachofra pela queima. Recolhem-se, já queimadas, e colocam-se num vaso. Rega-se a terra. Depois é esperar que ela renasça. Por vezes dias, mas idealmente no seguinte, ao acordar. E é aí que a alcachofra se transforma em reveladora de destinos: se a planta brochar, o amor é para durar; se não brochar, será melhor procurar outro. Qual metáfora do amor a conseguir elevar-se acima de tudo.

Da inovação
E vão surgindo novas tradições, como “O Porto convida Lisboa” - De 8 a 17 de junho os residentes na Área Metropolitana de Lisboa são convidados a enviar uma foto, segurando uma folha A4, A3 ou uma cartolina, com a seguinte frase escrita: “Eu quero ir ao São João do Porto #MeetinPorto #VisitPorto”, como pode ser visto aqui

Ou o “Toca a Marchar”, projecto da Locomotiva, que consiste num conjunto de oficinas gratuitas dedicadas às Rusgas de S. João.



A Locomotiva




E por tudo o acima mencionado, e muito mais. Bem vindos ao meu Santo e ao meu Burgo.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Da Foz do Douro



A Foz do rio Douro foi desde sempre uma zona muito convidativa à fixação de comunidades humanas, devido aos excelentes recursos – pesca, agricultura e pastorícia.
No período medieval foi objeto de sucessivas doações reais. O sítio desfrutava de excelente posição estratégica proporcionada pelas suas características defensivas – e no período filipino foi construído o Forte de S. João da Foz (ou "castelo", como também é conhecido), integrando a antiga igreja renascentista de São João Baptista (ela própria erguida sobre os alicerces da primitiva ermida de S. João da Foz), estando na sua proximidade  aquelas que poderão ser consideradas como as primeiras casas no local.
Mas foi o século XIX que trouxe outra realidade social à zona, com a emergência do turismo balnear, tornando pequena povoação numa área crescentemente cosmopolita.
O século XX trouxe novo impulso com o desenvolvimento dos transportes. As famílias aristocráticas e a elite burguesa do Porto fixaram aqui as suas residências de Verão, cujo traçado exibia, juntamente a um gosto mais sóbrio marcado pela presença da colónia britânica portuense (ao ponto de uma das praias mais frequentadas ao tempo ser denominada "dos Ingleses"), e um forte ascendente francês sobre o gosto arquitetónico.


Casas da Rua do Passeio Alegre

Casa dos Oliveira Maya - ou o Ramalhete

  
A minha Foz traz-me à memória a tia-avó que morava em frente à barra do Douro (no Passeio Alegre, 492, não na Cantareira), a Tomazinha. Era pequena e anafada, casada com o Tone da Capela, que do alto do seu metro e oitenta e muitos nos lançava a asa, a mim e ao meu irmão, e nos levava a passear até ao Jardim do Passeio Alegre, a ver o minigolfe através da rede. E assistíamos aos jogos intermináveis de bisca que ele jogava com os amigos, rente ao Coreto. Ou então rumávamos ao Castelo do Queijo, a pé ou de bicla. Ou até ao Cabedelo para irmos buscar bicha para a pesca. E víamos o desfile de S. Bartolomeu do átrio da capela da Nossa Senhora da Luz. E íamos à praia das Pastoras, entre paredões, E a tia ia buscar-nos "curaçás" à Paparoca da Foz. Ou fazia uma travessa de pataniscas de bacalhau quando aparecíamos de improviso, acompanhada de broa e azeitonas da mercearia do senhor Elísio. E eram tão boas as viagens de elétrico, para ir à Senhora da Luz. Ou “ao Porto”.
E o meu pai era o menino deles, e nós por acréscimo, que não tinham filhos.
Agora não os tenho lá, mas estão sempre comigo.
Isto vem a propósito de ir ver o rio.
Passar na marginal, a seguir ao Fluvial, e ficar com os olhos rasos porque se eles cá estivessem não iam reconhecer o que fizeram da Cantareira. Não sei bem se fique triste, ou alegre, mas eles estão lá sempre comigo.


Eu, o meu irmão e o Tio Tono - Carnaval de 1978

O Casal Maravilha da Capela, Tomásia e António - Páscoa de 1991


Tendo em consideração as minhas memórias e a indiscutível beleza dos locais, uma das sugestões de visita à Foz iniciar-se-á no Farol de S. Miguel-o-Anjo (1527), a ver o Cabedelo e o Marégrafo. Ver do outro lado da Rua a Capela de Nossa Senhora da Lapa. Depois, rumar aos paredões rentes ao farolim de Felgueiras (1886).
Atravessar a rua e ver o Passeio Alegre, e ver o Jardim, de traça de Émile David (1892), o criador dos Jardins do palácio de Cristal. Ver os obeliscos da Quinta da Prelada, o Chafariz de Nasoni (inicialmente projetado para a Quinta da Prelada), e o Chalet do Carneiro, ou Suíço (1873).
Ainda na rua do Passeio Alegre, ver as casas do Visconde de Oliveira e dos Oliveira Maya (Ramalhete)

Depois seguir na direção do Forte (ou Castelo de S. João da Foz) e Igreja de S. João Baptista - construído a partir de 1570 e reforçado aquando da Guerra da Restauração, a partir de 1642, foi de enorme relevância nas guerras napoleónicas e na Revolução Liberal. 




Farol de S. Miguel-o-Anjo - Foz do Douro

Capela de Nossa Senhora da Lapa - Foz do Douro

Lago e imagem de S. João Baptista - Jardim do Passeio Alegre

Chalet Suiço - Jardim do Passeio Alegre


E é esta é a Foz iniciática. Mas há tanto para ver. Ide e não percam o azul único do sítio.


sexta-feira, 5 de junho de 2015

Manifesto de Intenções


O que somos hoje é fruto do que já vivemos.

Dos sítios que visitámos, das nossas pessoas, dos episódios mais espantosos ou ridículos ou maravilhosos.

Reconheci recentemente um novo entusiasmo pela minha cidade e por outros sítios onde já vivi ou que já visitei e onde fui feliz. E volto a eles com as minhas lembranças e com a idade e as vivências atuais e redescubro-os. Ou então deparo-me com novos céus e novas terras e sei que a maravilha da descoberta está nos olhos de quem vê e na forma como sentimos as coisas.

Esta é a minha forma de vos apresentar a minha paixão pelo Turismo, pelos sítios, pelas pessoas, pela vida.

Bem-vindos aos meus caminhos.


Os meus Pais, Dinis e Alda, pelos caminhos de Portugal, 1973

Alda e Sandra, Paris, Maio de 1975

O meu irmão, a nossa Mãe e eu - Ayamonte, Setembro de 1978

A minha Mãe, eu, a minha filha, Isabel e Lola - Celorico de Basto, 2005