Desde menina que sou devota da noite sanjoanina, primeiro com os meus pais, irmão e tios na Foz, depois nas rusgas que fazia com os amigos.
Antas, Baixa, Fontainhas (se der para entrar…) Sé ou Ribeira, Boavista e Foz. E voltar a pé depois de ver o sol nascer. Era o trajecto que já não me atrevo a fazer a pé...
Fogo de artifício - S. João - Sé do Porto |
É uma noite imensa, intensa, aromática e iluminada.
Páro nos apeadeiros necessários e namoro as cascatas, as flores, as aromáticas.
Passo ao largo das farturas, dos churros, dos doces de ovos e dos rebuçados da Régua.
Vejo o fogo de Miragaia, onde rumo às sardinhas e de onde lancei o meu primeiro balão aos 42 anos.
Largada do Balão - S. João do Porto |
Na volta, invariavelmente espirro com o alho-porro, mas não há S. João sem arrebimbar o alho…
E volto a casa sempre com vontade de rever o próximo 23 para 24 de junho.
As Cascatas
No século XIX foram surgindo as primeiras cascatas na cidade do Porto, inspiradas na tradição dos presépios - que surgiram no nosso país no final do século XVIII.
Helder Pacheco refere que nas cascatas originais se substituía a Sagrada Família e os Reis Magos pelos Santos Populares.
Cascata - Carvalhido |
As cascatas tradicionais, elaboradas com pequenas imagens de barro sobre cenários representam profissões, figuras, e cenas do quotidiano - algumas já desaparecidas. São fruto da criatividade e da imaginação dos seus artífices, mas alguns dos seus elementos são quase obrigatórios como a presença da água, que estará na origem do nome “cascata”. Também o casario do Burgo, a Sé, os Clérigos, e obviamente o S. João Batista não faltam. Assim como as figuras da leiteira - “que mija no canado para acrescentar ao leite” (segundo o historiador Júlio Couto) e do cagão que nunca acaba de obrar, o Moleiro, a Lavadeira, o Pescador, as Vendedeiras e o Pastor.
O “manjerico”, a “sardinha” e os “balões” nunca são esquecidos. Nem os moinhos de vento ou de água, as Fontes, o Chafariz e S. João a baptizar Cristo. E as bandas filarmónicas e o pelotão da Volta a Portugal, a Procissão e as Rusgas.
Cascata - pormenor de banda filarmónica e altar a Sto. António |
A Câmara Municipal do Porto, através do Pelouro da Cultura, abre anualmente inscrições para o Concurso de Cascatas de São João.
Que pululam pela cidade.
E nas ruas do Centro Histórico, em tempos de escassez de Euros, ainda há crianças a pedir “um tostão para o São João”...
Sobre a Festa do Santo Padroeiro do Porto
O S. João nunca foi uma festa católica. Trata-se de uma celebração pagã, intimamente ligada ao culto da fecundidade, do fogo e do sol - em suma, associada ao Solstício de Verão. Aliás, embora o S. João Batista seja considerado por muitos o "padroeiro popular" da Invicta, o título oficial de padroeira da cidade do Porto pertence a Nossa Senhora da Vandoma.
“Claro que o S. João vai evoluindo conforme a cidade evolui”, diz Germano Silva, recordando que “as ruas dos Caldeireiros, do Almada - onde as varandas ficavam todas iluminadas – e a Praça da Liberdade - com o fogo preso - já foram os epicentros” da festividade.
O auge do arraial chegou também a ser junto ao Bolhão e no Mercado do Anjo (à Praça de Lisboa) que, entretanto, encerrou.
Nos anos 50, o fogo de artifício era lançado na Serra do Pilar “para que as pessoas o vissem das Fontainhas”.
O historiador diz ainda - “Para mim, o S. João continua a ser a rua”, revelou à Viva, acrescentando que, todos os anos, se desloca à rua de S. Victor, na qual a festa “mantém as características antigas, como a cascata”. O historiador recorda também o arraial das Fontainhas que, não sendo o mais antigo da cidade, se transformou na verdadeira “meca” do S. João do Porto. Em meados do século XIX, “um senhor decidiu construir uma cascata monumental e oferecia café quente e pão com manteiga a quem a fosse ver”, explicou, esclarecendo que, com o tempo, se tornou “quase obrigatório” a passagem pelas Fontainhas nesta época.
Altar de S. João Batista - Fontainhas |
As rusgas de então as rusgas eram menos organizadas: formavam-se nos bairros, passavam nas Fontainhas e terminavam com o tradicional banho nas águas orvalhadas do Douro, antes de o sol nascer, porque todos acreditavam que dava saúde”, acrescentou.
Folia e siga a rusga! |
Agora os os foliões passeiam o alho-porro, os martelos de plástico, compram manjerico e aromáticas e fazem percursos aleatórios, que convergem à meia noite para as Ribeiras de Gaia e do Porto, de forma a poderem ver o fogo de artifício, e fazem subir balões confeccionados com papéis de várias cores que passeiam no ar como sóis iluminados.
Fogo sobre a Ponte Luís I - Porto |
Largada de balão em Miragaia
E nos Aliados podemos assistir ao Concurso das Rusgas de S. João, em que cada freguesia constitui uma rusga, com uma tocata e um número mínimo de 30 pessoas que vão trajadas a representar as rusgas de outros tempos. Existe um desfile e uma actuação de todas as rusgas para o público, que se realiza num clima de imensa festa e alegria popular. Este evento fecha as festas de S. João no Porto.
As fogueiras
Na noite de São João, comparecem as alcachofras, e à foice vai também o alecrim e o rosmaninho, para alimentarem as fogueiras juninas e perfumar o ar de cheiro a verão – fogueiras estas que servem também enquanto ritual de iniciação, servindo de obstáculo de salto para rapazes (e algumas raparigas).
Fogueira de S. João ao Carvalhido |
E quando o fogo está já em fase decrescente, por volta da meia-noite, hora muito simbólica pela transição que representa, os apaixonados passam a alcachofra pela queima. Recolhem-se, já queimadas, e colocam-se num vaso. Rega-se a terra. Depois é esperar que ela renasça. Por vezes dias, mas idealmente no seguinte, ao acordar. E é aí que a alcachofra se transforma em reveladora de destinos: se a planta brochar, o amor é para durar; se não brochar, será melhor procurar outro. Qual metáfora do amor a conseguir elevar-se acima de tudo.
Da inovação
E vão surgindo novas tradições, como “O Porto convida Lisboa” - De 8 a 17 de junho os residentes na Área Metropolitana de Lisboa são convidados a enviar uma foto, segurando uma folha A4, A3 ou uma cartolina, com a seguinte frase escrita: “Eu quero ir ao São João do Porto #MeetinPorto #VisitPorto”, como pode ser visto aqui
Ou o “Toca a Marchar”, projecto da Locomotiva, que consiste num conjunto de oficinas gratuitas dedicadas às Rusgas de S. João.
A Locomotiva |
E por tudo o acima mencionado, e muito mais. Bem vindos ao meu Santo e ao meu Burgo.